A separação entre teologia e espiritualidade
O texto abaixo é um excerto de CODINA, Victor. “Não extingais o Espírito” (1Ts 5,19): Iniciação à Pneumatologia. SP: Editora Paulinas, 2010, p. 18-19.
Com o passar dos séculos, efetuou-se uma crescente separação entre teologia e espiritualidade, chegando a uma verdadeira ruptura na Idade Média (no século XIV, segundo F. Vandenbroucke) e que levou a um cisma entre uma teologia sumamente abstrata, especulativa e fria, e uma espiritualidade devota, mas frequentemente infrateológica. O tema não é novo, e foi amplamente estudado1.
Na época patrística e até o século XIII, a teologia estava estreitamente ligada à penumatologia, os grandes teólogos eram santos, a teologia era sapiencial, sagrada, uma reflexão sobre a Escritura e sobre a vida do Espírito presente na comunidade cristã. Tomava-se muito em consideração a oração e a liturgia como fonte de conhecimento teológico (lex orandi, lex credendi). A teologia dos Padres apostólicos (Inácio de Antioquia…), dos apologetas (Justino…), dos Padres da Igreja (Irineu, Cirpiano, Ambrósio, Agostinho, Basílio, Gregório de Nissa e Gregório Nazianzeno, João Crisóstomo, João Damasceno…), dos grandes papas (Leão e Gregório Magno), a teologia monástica (Orígenes, Evágrio, Cassiano, Bernardo…), a primeira escolástica (Boaventura, Tomás de Aquino…) foram teologias pneumáticas, vivas, plenas de espiritualidade, nas quais a razão ficava transfigurada pela mística. A teologia era bíblica, uma reflexão espiritual sobre a Palavra de Deus, “lectio divina”, “sacra pagina”. A doutrina patrística e medieval sobre os sentidos da Escritura (sentido literal ou histórico, sentido espiritual ou cristológico, sentido moral ou existencial e sentido escatológico) conferia à teologia uma profunda unidade centrada em Cristo, como estudou amplamente Henri de Lubac em seus trabalhos sobre a exegese patrística e medieval2.
Esta síntese foi-se paulatinamente corroendo e empobrecendo, e os sentidos da Escritura se dispersaram: a teologia dogmática desenvolveu a dimensão lógica e intelectual, científica (questões, sentenças, sumas); a moral concentrou-se em uma práxis desvinculada da Escritura; a Escritura limitou-se ao sentido literal, e perdeu-se a perspectiva escatológica. Inicia-se, assim, o divórcio entre uma teologia especulativa e uma piedade cada vez mais devota e íntima, mas menos teológica.
- É clássico o artigo de: VON BALTHASAR, H. U. Teología y santidad. In: Ensaios teológicos I. Verbum Caro, Madrid, 1964, p. 234-268. Pode-se consultar também: CODINA, V. Lo pneumático en la teología. In: Teología y mundo contemporâneo. Homenage a Karl Rahner. Madrid. 1975, p. 115-132. [↩]
- DE LUBAC, H. Exégèxe médiévale. Paris, 1959, 1961, 1963. 4 vols. [↩]
OpenEdition sugere que esta publicação seja citada da seguinte forma:
Marcio L. M. (28 de Abril de 2025). A separação entre teologia e espiritualidade. áskēsis. Recuperado em 16 de Junho de 2025 de https://doi.org/10.58079/13u1y